Por
Adriana Passari - @adrianapassari
A
noiva descalça
Ela
estava nervosa, como toda noiva fica no dia do seu casamento. Ele também, mas
não demonstrava. Foi criado para ser forte, seguro e sem fraquezas. Mesmo assim
as tinha. Elas estavam lá, abafadas junto com
as incertezas e medos que não deveria ter. Nada poderia estragar a
cerimônia totalmente planejada pela sua mãe. Ele a amava. Ambas. A mãe e a
noiva. Pela mãe nutria amor filial, obediente, resiliente e um tanto temeroso.
Desde pequeno aprendeu a amar, respeitar e temer aquela força da natureza que
ele chamava de mãe. Pela noiva nutria um amor algo assim mais de alívio. Era
com ela que ele se sentia mais à vontade para ser e expressar quem era. Era um
rapaz de bem. Com ela ele se permitia sonhar. Com ela sentia que podia
respirar. Ter paz. Foi assim desde que a conheceu e foi por isso que o pedido
veio sem demora. A família dele logo acatou a decisão, afinal a moça tinha
todos os predicados para se tornar um membro da respeitável família.
A relação que era leve e feliz ganhou peso com tantos compromissos assumidos para a celebração oficial. O casal aos poucos perdeu o brilho. Os encontros que antes eram só risos passaram a ser tensos, cercados por decisões e definições dos detalhes da festividade vindoura. Por força da responsabilidade assumida diante de todos, nenhum deles recuou.

Cumpriram
sem restrições os seus respectivos papéis, enfrentando cada etapa que era
imposta aos nubentes. Seus poderes de escolha eram bem relativos. Diziam sim ou
não cedendo às pressões apresentadas pela equipe contratada especialmente para
tornar aquele evento épico, inesquecível. Em determinado momento já não eram
mais eles, apenas personagens de um capítulo da sua história que sequer foram
convidados a escrever. Obedientes seguiram todos os protocolos sem desistir.
Chegado o grande dia, tudo estava perfeito. A noiva surgiu linda, irretocável.
O noivo ficou encantado. E foi aí que ela, sem
dizer
uma palavra, mostrou para todos quem era e quem mandava. Antes de dar um passo
em direção ao altar, de braços dados com o seu amoroso e humilde pai, quando
ouviu os primeiros acordes da marcha nupcial, retirou os caríssimos sapatos de
salto. Deixou-os ali na entrada da igreja. Olhou para seu noivo que estava sem
entender nada e sorriu. Um sorriso que disse tudo. Ele próprio imitou-lhe o
gesto e também retirou os sapatos. Sentiu uma emoção que há tempos não sentia.
Sorriu com os dentes e com os olhos em lágrimas. Era sua noiva de volta. Eram
eles. Casaram-se assim, descalços.
Ouça a história na voz de Adriana Passari: